Poder da experiência aliada à persuasão (a saga do galo velho)




Dizem que era um galo velho tão velho como nunca se viu ou se verá, dizem que já nascera meio malandro, quando ainda pintinho, comia sempre a melhor parte da quirela, já franguinho num terreiro de muitos frangos, sabia aparecer e desaparecer de acordo coma as conveniências e esse discernimento o salvou muitas vezes da panela, aprendeu por observação, as artimanhas dos predadores, raposas, gambás, lontras e do seu contraparente distante, o gavião, na fase da puberdade galinácea, retardou o canto, só para dormir até mais tarde. E quando esta chegou, ele conseguiu namorar algumas fraguinhas, longe das vistas do galo chefe, de quem ele herdou o terreiro à custa da artimanha e da intriga. Entrando na fase adulta já era ele um frangote bem apessoado, (entenda-se por emplumado de vistosas penas) por isso as galinhas poedeiras e namoradeiras, cacarejavam pelos cantos que ele seria o próximo galo chefe do terreiro. Todas já aguardavam o embate dele com o então galo chefe para que ele assumisse esse posto. Mas sendo malandro desde o ovo, (dizem que uma vez conseguiu camuflar-se entre as palhas do ninho, para não virar omelete) articulou a luta pelo terreiro entre o galo chefe e outro frangote precoce, destituído de qualquer senso de inteligência, resultado: no embate os dois pereceram, nesse ponto temos de ser justos, ele não havia programado isso, afinal ser chefe de terreiro, era para ele, apenas assumir as franguinhas e a galinhada, e ele já as tinha, clandestinamente, mas tinha.

Não obstante, o desfecho da luta, lhe foi conveniente e ele assumiu o terreiro. Investido do poder, ele mudou sua postura, conhecendo a queda das franguinhas pelas relações furtivas, convocou-as e estabeleceu novas regras, armou um esquema de eliminação dos frangos que podia fazer-lhe frente numa futura disputa pela liderança, fazendo com que eles estivessem sempre ao alcance das mãos, de uma pedrada, ou até de uns grãos de chumbo no dia e na hora do ensopado ou do molho, assim, sempre nas raras vezes que ocorria uma disputa pela chefia, era com frangotes despreparados que agiam sempre movidos pela frangosterona, hormônio que ativa o aparelho reprodutor dos frangos.Conta à lenda que o seu reinado durou e ele chegou conhecer sua décima sétima geração, pode-se dizer sem exagero, que ele foi alguém meio assim como o matusalém dos galos. Galou muitos ovos dos quais uns viraram omeletes e outras frituras, outros foram chocados e dos quais nasceram muitos pintinhos que ele protegia ou levava para a condenação de acordo com as suas conveniências. Durante o seu longo reinado conta-se historias varias, uma delas se deu assim; ele, já galo velho havia percebido um olhar de arrogante desafio por parte dum frangote, esse de porte atlético, oriundo da etnia carijó, o que ele não entendia, porque não existia galinha carijó pura no seu harém o que levantava uma leve suspeita de ter sido passado pra trás. Passou a dormir com um olho aberto e o outro fechado, não dormir duas noites seguidas no mesmo galho, (tática que tem salvado o Osama, só que no caso dele, é não dormir na mesma caverna) chegou a pensar a tentar trazê-lo para o seu lado, mas percebendo um brilho estranho no olho dito cujo, meditou, retraiu e se preparou para o pior.

O frangote por outro lado conhecia o galo velho e sua fama, sabia que teria que enfrentá-lo para assumir o terreiro, mas adiava o fatídico dia. Foi ai que num inicio de tarde especula-se que foi depois de comer um farelo batizado, o frangote tendo como platéia todos os galináceos (as), um jumento, um égua, uma vaca amojada e um cachorro sarnento, traçou um circulo em torno do galo velho, atritando os esporões, desafiando-o para um duelo. A tensão no terreiro do sitio era tamanha, que o único som que se ouvia era a respiração e o bater do coração da bicharada. O galho velho vinha se preparando para aquele momento, por isso não deixou transparecer o leve temor que sentiu, se manteve impassível. O frangote, incomodado com essa indiferença perdeu um pouco a segurança, mas movido pela frangosterona, repetiu o clássico gesto do desafio, circulou o galo velho, deu uma cacarejada gutural e atritou de novo os esporões. depois dessa, o galo velho interrompeu o seu lanchinho (estava bicando o seu farelinho especial) encarou o frangote e disse calmamente:- E ai rapaz, querendo briga? Diante da frieza do galo velho o frangote titubeou, mas era tarde demais para voltar atrás, então respondeu:-sinto te dizer meu velho, mas seu tempo passou, agora chegou minha vez, portanto façamos logo o que tem que ser feito. Pronto, estava lançado oficialmente o desafio. O galo velho, mesmo diante da impetuosidade do frangote não perdeu o controle e disse, menos que disse, sussurrou:- Ei rapaz, vamos ter uma conversinha! Ao que o frangote respondeu a beira da exasperação; - Que papo de conversinha é esse meu velho?! Do momento do inicio da tensão até esse, foram às primeiras palavras cacarejadas que chegaram aos ouvidos da platéia que aguardava ansiosa o desfecho do caso e todos se entreolharam surpresos; - Foi ai que o galho velho, aumentou um pouco o tom do cacarejo, só o suficiente para ser ouvido:- escute rapaz eu ainda sou líder desse terreiro, por isso você me deve respeito ouviu? Baixou a voz e disse num tom conciliador, deixe de disso e me siga para um particular, virou as costas e se dirigiu para um canto isolado, o frangote meio desnorteado se viu sem saída e o seguiu. Uma vez sozinhos, o galo velho se aproximou com um cacarejo manso e disse enquanto passava as asas no dorso do frangote; - olha rapaz, eu penso que a grande sabedoria de qualquer vivente é viver de acordo como seu tempo. O frangote completamente desorientado perguntou: o que o sr. .você quer dizer com isso? (Nota-se agora que ele suprimiu o, meu velho) ao que o galo velho respondeu:- seguinte meu rapaz, meu tempo já passou e eu tenho consciência disso, se ainda estou no comando, foi por não ter aparecido alguém com competência para assumir o meu lugar, eu fico Feliz que seja você, um rapaz assim tão corajoso, agora penso eu, que nem por todos os sacos de milho ou por todas as frangas do mundo, nós precisamos brigar para fazer a transição da liderança: - Mas meu vel.. Senhor é a tradição! Disse o frangote. Nota-se aqui, já uma incerteza, mesclada de respeito por parte do frangote, e foi nesse vácuo que o galo velho atacou, num um tom meloso, sereno, diplomático:- Qual tradição qual nada meu rapaz!! Os tempos são outros e a hierarquia já não é mais assim, tão galoarcal, na verdade, um dos poucos valores que importam é o amor próprio, e esse nós podemos preservar, quando digo nós me refiro a você e eu. Relatos extra-oficiais afirmam que, no vocabulário do frangote, a palavra hierarquia era desconhecida e cada vez mais confuso, ele perguntou deixando a vaza;-mas e então?... E o galo velho atacou, na manha:- vamos decidir essa parada esportivamente,.. Numa corrida. Veja que ele usou a gíria que era o linguajar do frangote:-Co. Co como assim numa corrida? – sim numa corrida quem vencer fica dono do terreiro: - Mas aí você vai perder meu velho, disse o frangote retomando aos poucos à confiança, numa corrida você não pode comigo. Enquanto isso a tensão na platéia aumentava, no terreiro, a notícia correu e galináceos de outros terreiros, convergiram para aquele ponto de onde ficavam a observar sem nada entender, por que, o galo velho, estrategicamente estabeleceu distancia suficiente para manter a conversa em caráter particular. Na maior naturalidade o Galo velho admitiu:- mas é isso que estou tentando te dizer desde o inicio meu rapaz! Apostamos a corrida, você vence, pois tem todo vigor da juventude (ao dizer isso cutucou levemente o peito do frangote que já tinha baixado completamente a guarda e pensou, em outros tempos eu te aplicaria uma golpe mortal) assume o terreiro e eu me retiro, me aposento com a honra intacta. Agora pense outra situação, você recusa minha proposta e nós vamos pra luta, eu estou um pouco velho é certo, mas não estou morto (nesse ponto, o galo velho passou de novo a asa sobre o dorso do frangote e exerceu uma pressão mais forte, provocando uma dorsinha leve, que foi imediatamente registrada pelo cérebro do frangote) eu conheço uns segredos de rinha garoto. Já na corrida, eu não tenho nenhuma chance, fez pausa e perguntou:- e então temos um trato? O frangote, que já vinha pesando os pros e os contras da situação, olhou para as frangas e para uma galinhona com porte de gostosuda, que estava mais próxima e seus olhos brilharam, a frangosterona que havia baixado um pouco entrou de novo em ebulição, o galo velho ao perceber a direção do seu olhar mesmo tomado de ciúmes comentou: essa coroa dá um caldo heim rapaz?!(agora mais um cutucão no peito do frangote, esse mais forte que o primeiro) Ai o frangote capitulou, tudo bem meu velho diga as regras e vamos acabar logo com isso:-Muito bem disse o galo velho levando-o a um canto fora das vistas de todos no terreiro, traçou uma linha, virou as costas para o sol poente e disse ao frangote:- É o seguinte garoto, vamos ficar lado a lado, esse é o ponto de partida, a chegada é na velha mangueira depois da porta da cozinha, eu nem sei se vou passar da metade, mas vou tentar, no três a gente parte e garoto. . . Obrigado pela compreensão! , que o seu mandato seja longo!

Tá certo meu velho, vamos acabar logo com isso, que eu tenho que partir pra galinhagem (e soltou cacarejadas alegres) sê me entende né?!, E pensou vou humilhar esse velho, quando isso terminar ele vai desejar ter resolvido isso na porrada. Então Tá certo, no três a gente parte. Preparado, um, dois, três. E partiram o frangote já na dianteira e o galo velho no seu encalço, a vantagem do frangote era pequena, coisa de um corpo (de frango é claro), mas era vantagem pelo menos era que o ele pensava, porque para quem estava olhando o que se via era um galo perseguindo um frangote ou um covarde fugindo da luta e foi essa a interpretação da bicharada e para o azar do frangote do dono sitio, pois assim que o frangote aumentou a distancia para pouco mais de três metros escutou-se um estampido, o frangote foi lançado pra direita, pelo impacto de uma bala calibre 22, de um rifle americano, o galo velho corajosamente seguiu as cambalhotas do corpo do frangote e quando este ficou inerte, traçou um circulo em torno dele, atritou as velhas esporas, desferiu-lhe um leve pontapé se dirigiu célere e absoluto em direção ao seu harém. Pouco depois, saia da área da cozinha da casa do sitio, o atirador e proprietário deste, com um rifle ainda fumegante em punho, apanhava o frangote e orgulhoso da própria mira (bem na cabeça) comentava:-que decepção e eu pensava que esse frango seria o novo dono do terreiro, tsc, tsc, tsc, não passava de um frango frouxo.

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