A última perdiz




No extremo inacabado da DF 463, vi numa tarde de julho
O vôo de um pássaro assustado expulso do seu cerrado,
Lar natural e sagrado. Pelo barulho das maquinas e
pela presença do homem que atacou seu espaço,
Destruiu sua morada, sua fonte de alimento
Deixando-o desabrigado, literalmente ao relento.

Esse pássaro era uma perdiz que pousou de um vôo cansado,
perto de uma cruz cravada ao lado da rodovia.
Marcando o ponto onde, um dia, uma vida se perdeu.
Ali ficou por um momento como a pedir proteção
Olhando desconfiado, pescoço ereto, assustada
Entre a poeira da urbe e a rodovia asfaltada.

A urbe, localizada ao lado da rodovia, é o bairro mangueiral
Que era para a perdiz, ate pouco tempo atrás, latifúndio natural,
Casa, laser e quintal.

Eu com minha câmera em punho quase sucumbi com a cena.
Ver aquela perdiz solitária ali parada ao lado daquela cruz
Olhei pra urbe nascendo, pra pista inacabada e de novo pra perdiz,
Vi na historia da ave o destinos entrelaçados do homenageado na cruz,
Que teve a vida ceifada por um descuido culposo do trânsito violento,
Por veiculo desgovernado, por condutor apressado ou mesmo embriagado.

Vi a perdiz perdida num trocadilho infeliz, entre o asfalto e a cruz.
Enquanto na urbe ao lado, homens trabalhavam apressados
Fazendo girar a roda do motor perpetuo que aciona o progresso.
Esse monstro implacável e insensível que alimenta o capital
Enquanto perdiz perdida do trocadilho infeliz alçou novo vôo
Impulsionada pelo meu assedio sem me saber inofensivo.

Decolou num vôo misto de cansado, hesitante e assustado.
Em busca de outro cerrado que lhe pudesse servir de lar,
Por que no cerrado antigo que era o seu lar natural
Está se erguendo a urbe, filha do monstro progresso,
Silenciosa num instante no outro forte com ar arrogante
Gritando sou moradia pra suas crias, os filhos da burguesia.

Sou a urbe mangueiral, sou hiper, sou colossal,
Sou insensível, sou leviatã que brota do aço e concreto.
Assassino esse cerrado, sou areia, sou brita, sou cobre
Expulso essa ultima perdiz para acolher os nobres.

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