Carta Aberta a Clênio de Souza, vítima do Trevo da Morte



Caro Clênio,
A tua existência aqui na terra foi um tanto curta, sob a ótica dos seus parentes e amigos, em razão da grande estima que todos - de forma velada ou explícita - nutriam por você.
Não obstante sua súbita partida, para esses mesmos amigos, sua vida foi marcante, pois, com seu jeito discreto, sem estardalhaço, você sempre conduziu a bom termo todas as tarefas que lhe foram incumbidas e até mesmo a sua saída da existência terrena, do plano físico, nos parece hoje parte da sua missão como ser especial.
Onze dias depois de sua partida, você tem conseguido mobilizar vários segmentos da população de São Sebastião, no sentido de evitar que outras pessoas tenham o mesmo trágico destino que você teve, de evitar que outros pais percam seus filhos e que outros filhos engrossem prematuramente a lista de órfãos.
Hoje, a sensação que temos é que são Sebastião diminuiu, em função do espaço deixado por sua ausência, e cresceu em face do levante da comoção alavancada pela sua perda culminando numa mobilização exemplar em busca da cidadania.
Nos dias que precederam sua partida temos travado uma luta constante contra o pensamento do esquecimento para manter vivo o propósito de levarmos as autoridades a tomar medidas que, aliás, são direitos adquiridos via constituição parágrafo único do artigo 1º CF 1988 onde interpretamos que o poder nasce do povo em nome do qual deve ser exercido.
Alicerçados nessa verdade magna a população de São Sebastião pretende manter viva a sua memória, sem exploração sensacionalista buscando convencer o segmento do Estado, responsável pela administração da BR 251, não pela sensibilidade, visto que o Estado não é movido por sentimento, mas pela razão amparados em fatos e aspectos legais.
Redigir este texto não me traz nenhum prazer, pois se trata de um réquiem missivo, uma homenagem póstuma, e isso têm para mim o peso de um dever, dada a relação de amizade que nos unia. Para amigos e companheiros da minha geração o meu sonho particular (isso te incluía) é de nós envelhecermos juntos.
         E na velhice conquistada ficarmos debruçados sob o parapeito da janela do passado, observando o futuro, mas com os pés firmados no presente, rindo à toa, passando lições de preguiça ou de atividade para a juventude, a nosso bel prazer. Pra você isso não será possível, mas um fato é certo:  você certamente já recebeu a recompensa dos justos porque fez valer os seus dias! Adeus e até um dia.

“Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua; a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”- John Donne, poeta inglês.
Edvair Ribeiro

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