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Missionária Ilda,
uma mulher de volta as origens, escala:
Goiás, São Sebastião, Ceilandia,
Senegal!
Eu pouco sei a respeito do meu avo materno, exceto que era negro mulherengo, possuidor de uns alqueires de terra no nordeste goiano e que atendia pelo nome de João Ludovico machado. Das poucas informações que tenho dele uma é certa, ele era mais um dessa espécie comum na sua época. Bígamo ou trígamo (possuía pelo menos três mulheres) era o tipo machista sedutor que povoava o interior de Goiás que assediava e seduzia as mocinhas, vencendo-as pelo cansaço. E um dos alvos de sua sedução foi Izabel Ferreira de Jesus, minha saudosa avó, desse idílio nasceram dois filhos homens e a uma menina. Menina essa que veio ao mundo com a árdua e sagrada missão de ser minha mãe de mais 10 irmãos meus. O nome dessa menina, Ilda Ferreira dos Santos, que não herdou do pai nem o sobrenome e tampouco nenhum dos seus bens e nem mesmo chegou a conhecê-lo; Por que por um desses infortúnios do sarcástico destino, ele faleceu, quando a menina tinha apenas seis meses de vida.
Essa menina nasceu com saúde e graça, sob proteção de Deus e da minha avó, cresceu, junto com os irmãos burlando as dificuldades, que não eram poucas. Aliás, enfrentar e vencer dificuldades são atos naturais para os descendentes do povo africano, que foi agrilhoado, arrancado do seu continente, jogado em porões de navios negreiros numa superlotação desumana que já previa e acionava um processo de seleção onde pouco mais da metade, (apenas 60%) sobreviviam, prova cabal de que só a escol do povo africano aportaram e povoaram as terras brasileiras. Como é também fato comprovado de que fomos nós, com a força do nosso trabalho, com o nosso suor e em detrimento da nossa liberdade, com o derramamento do nosso sangue que construímos esse país. A menina Ilda que nasceu na região do Quilombo, entre o ano de 1943/45, município de Formosa no estado de Goiás, numa época remota em termos de distância entre o progresso e a civilização. Menina Ilda que sobreviveu por pirraça, que cresceu buscando água em cabaça, nos arroios do córrego olho d’água, ouvindo e convivendo com os esturros das onças pintadas que proliferava o interior do estado de Goiás. Menina Ilda que cresceu levando pequenas surras, que era o método educacional primitivo da época, que logrou a morte por afogamento em varias dessas buscas d’água. Menina que era o xodó da sua avó materna que era uma mestiça dessas de parar cantoria de mutirão.
Menina que na sua infância não conheceu escola que não decifra as letras, mas por sensibilidade e assimilação se fez doutorada em vida e emissária do amor. Menina que se fez moça e casou com um jovem andarilho autodidata e sonhador chamado Florentino. Duble de vaqueiro, pedreiro, carpinteiro, marceneiro, pintor, musico etc. e tal. Menina moça que se fez mulher e que gerou a mim e a meus irmãos, nos trouxe á vida nos alimentou e agasalhou. Mulher que deu luz a seis de nós, os seus primeiros filhos em partos caseiros; Até hoje, trago na lembrança todos os movimentos que antecediam a chegada da cegonha, com mais um irmãozinho em nossa casa. Era um entra e sai do quarto para a cozinha e vice versa, um constante pedido de água fervida, de panos limpos de colher quente e de uma tesoura fervida, numa crescente tensão que só arrefecia com o choro do rebento, que impregnava o ar, com um forte cheiro de azeite doce, óleo utilizado após cauterização do umbigo do recém nascido. Então minutos depois meu pai me trazia um bêbê enrolado em flanelas, e me mostrava dizendo: esse é seu novo irmão e dizia o nome do sujeito da vez, por que até o sétimo, todos já nasceram devidamente identificados. Mulher que tomava para si o sorriso feliz de suas onze crias fazendo de nossa felicidade sua razão de viver.
Mulher de fé inabalável de relação intima e inexplicável com o criador. Mulher que para si mesma pouco amealhou pois faz de sua vida é eterna doação. Mulher que sentiu a dor de ter um filho ferido em seu colo materno e sentir o hálito do seu último sopro de vida. Mulher que três anos depois reviveu a experiência amarga baixar no túmulo seu filho caçula.
Mulher essa que através da fé, faz de cada dia da sua vida um recomeço que na sua sina de mãe de família, num perfil de submissão ativa, sempre foi a líder do seu sagrado lar. Assimilou conhecimento no rolar das pedras, no deslizar das águas, no sopro do vento no passeio das nuvens, no cair das chuvas, no brotar semente, nos botões das flores e dos seus odores. Mulher oriunda do século passado que transpôs barreiras. Essa mulher é minha mãe dona Ilda ferreira dos santos, pessoa de perfil misto de gente e santa que nem as agruras da infância as penúrias naturais da situação social, da árdua tarefa de gerar e parir onze filhos, as perdas de quatro deles os primeiros de morte natural e os dois últimos assassinados. Da perda do marido num final de noite, vitimado por um ataque cardíaco. Mulher que nem a recusa natural do criador, de devolver a vida de um de seus filhos, pedido insistente proferido durante um desesperado momento de dor, conseguiram toldar o brilho de seus olhos e vergar os seus ombros.
Eu, por ser seu primogênito, como ela orgulhosamente me denomina, posso afirmar que a conheço há 49 anos, isto é desde o momento de minha concepção. Do alto dessa relação mãe e filho, às vezes mesclada de contraversões, eu me rendo ao fato de que dona Ilda nasceu uma missionária. Missão que começou no dia que nasceu, num rancho humilde de um lugar chamado Quilombo, migrou para o Canabrava, Bisnau, Boa Esperança, Canaã, Fazenda Prain, Fazenda Paranaguá, voltou ao Canabrava, rio das pedras e do estado de Goiás veio para a papuda no DF, hoje São Sebastião e que há trinta e oito anos se estabeleceu na cidade da Ceilândia e agora cruzou atlântico a bordo de um asa dura, (avião) e aterrissou no seio da mãe África, precisamente no Senegal, num passeio de volta as origens, mas em nome da missão. Eu posso parecer e até ser suspeito para falar ou escrever a respeito de Dona Ilda, por ser seu filho, mas quando volto à infância e me lembro dos meus heróis de fantasia, eu percebo que nenhum deles foram tão fortes e poderosos como o é dona Ilda minha mãe. E poucas vezes na minha vida, eu senti tanto orgulho de uma pessoa, como eu estou sentindo agora nesse exato instante em que finalizo esse texto. Admito também que esse é um texto carregado de uma certa pieguice, e o fecho com a mais piegas das frases, que sendo pai sei que jamais cairá de moda, principalmente para o sensível coração materno; mamãe sou teu fã número um, mamãe, eu te amo!
1 comentários:
Emocionante! Apesar de não conhecê-los pessoalmente, como mulher que sou, sinto-me extremamente orgulhosa pela Missionária Dona Ilda e por seu primogênito que, com o dom da palavra, sabe expressar tão bem as verdades do coração! Aplausos para o Senhor Edvair dos Santos! Bravo!
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