A supervisora



Essa é uma historia antiga, pois data do tempo do Mobral. Mobral? Explico: logo após o golpe de 64, os militares criaram uma instituição chamada Mobral, cujo significado era: movimento brasileiro de alfabetização, que, segundo a cúpula, tinha o propósito de alfabetizar jovens e adultos, algo assim como o nosso EJA. Mas dizem as boas línguas que a meta verdadeira dos milicos era alienar as pessoas, incutindo nelas o um forte senso de servidão a partir da submissão à disciplina da hierarquia militar. Mas ocorreu que, como quase tudo que eles, os militares, tocaram, a coisa degringolou. Pois ao ser alfabetizada, uma considerável parcela da população alargou o Campo de visão e começou a vislumbrar e ansiar pela tal da liberdade, e apesar do governo militar manter sempre um observador em todas as suas instituições, é fato notório que um bom punhado deles eram meio aparvalhados, que levavam a vida deslumbrados com a condição secreta de ”agentes secretos” e se perdiam na própria vaidade e na suposta inocência de algumas mocinhas e de rapazes integrantes de células do movimento subversivo. Enredados pelos encantos destas, prevaricavam no desempenho da missão assumida. Aconteceu que esses fatos chegaram ao conhecimento dos líderes do governo militar, que decidiu trocar esses agentes punindo os mais relapsos e redirecionando outros. Entre esses redirecionados havia uma “Mata Hari” à Brasileira chamada Ghertrudez; ela, a Ghertrudez, tinha sido incumbida pela policia repreensiva de espionar um grupo de rapazes numa “república” da capital. Então disfarçada de professora particular de inglês, se instalou na casa em frente à república e passou a espionar o grupo. Tanto espionou que um dia, ao entrar no apartamento deles, pensando encontrá-lo vazio, deparou com um dos rapazes completamente nu. Resultado: esbugalhou os olhos, fingiu uma sincope, foi socorrida pelo rapaz ainda nu. O resto os senhores podem concluir: sucumbiu aos encantos do rapaz e prevaricou. E depois de tanto prevaricar, foi chamada as falas pelo comando, cujo chefe, um coronel gorducho e também contumaz prevaricador era também seu primo. Este lhe passou um sermão e a enviou para uma cidade do interior numa missão de reabilitação para fazer uma avaliação do aprendizado da escolinha do Mobral de uma currutela distante: Ao se despedir dela, o coronel prevaricador cochichou-lhe no pé da orelha: “Escute prima, é só por um curto espaço de tempo, pelo bem da disciplina. Assim que eu conseguir uma brecha te arranjo uma missão para espionar uma outra república e outros garotos, combinado?” Ela se empertigou e disse: “outra republica não, a mesma república e o mesmo garoto.” “Tá bem, tá bem... a mesma república e o mesmo garoto”, anuiu o primo-coronel-comandante-prevaricador, “mas agora vá com deus e, prima, qual é o nosso lema?” Ao que ghertrudez repondeu: “BRASIL, AME-O OU DEIXE-O!” Bateu os calcanhares, deu meia volta e partiu! Mas partiu com o propósito firmado de cumprir bem sua missão e voltar a espionar a mesma republica, o mesmo garoto e... prevaricar. E traçou o seguinte plano de ação: vou lá, faço meu relatório, de repente até desencavo um subversivo e como recompensa exijo voltar a espionar o meu garoto. Foi com este pensamento que ghertrudez embarcou num trem de ferro e sacudiu por dois dias e uma noite as carnes quarentonas em direção ao sul do centro do país. Desembarcou numa cidade formada de uma única rua principal, que era a rua do comércio, composta de um mercearia de nome” Secos e Molhados”, uma barbearia, uns dois botecos, uma capelinha onde era celebrada uma missa semestral, um centro comunitário, umas duas casinhas de mulheres de má procedência e a escola que ficava fora da cidade, mas localizada num ponto oposto da casinha dos prazeres, que era para evitar que viesse incutir influencia negativa nas crianças e dificultar o encontro delas com algum adulto conhecido que porventura estivesse freqüentando o mal afamado antro, como o denominava uma chata beata local e esposa de um freqüentador contumaz de uma das casas, quando não de ambas. Ela chegou, se apresentou ao dono da mercearia, que era uma espécie de prefeito, de delegado e de juiz por ser o Dono das terras que circundava a cidade. Chegou ostentando tamanha autoridade que intimidou até mesmo o caudilho do lugar, que imediatamente a apresentou para a professora, que era uma sua sobrinha dizendo: “Fia, essa sinhora é um´a suprevisora que os coroné Lá de brasila mandô prá mode ver como é que anda o aprendimento das nossa criança”. Dona Ghertrudez não contemporizou: exigiu peremptoriamnente ser apresentada aos alunos de imediato, no que foi prontamente atendida. Adentrou na sala com aquele olhar severo que não conseguiu assustar os capiauzinhos, todos de olhares vivazes. Nem mesmo quando dona Mariinha (a professora) a apresentou como supervisora, ela não causou impacto. A coisa começou a mudar de figura quando ela bradou: “Silencio”: e o silencio reinou, reinou a ponto de se ouvir o bater das asas das moscas e daquela borboleta que, ao bater as asas na Antártida, provoca um vendaval por aqui; dona Gertra, a supervisora correu os olhos pela sala e pôde sentir, com uma forte sensação de prazer, o terror nos rostos dos tabareuzinhos. Seu olhar viajou por toda a sala e pousou em um garoto com ar misto de debochado e assustado (ela não o sabia, mas ele era o capetinha da escola) no fundo da sala a quem ela perguntou de chofre, enquanto lhe apontava o indicador: “Você! Me responda rápido, quem foi que descobriu o Brasil?” Ao ouvir a indagação, o menino arregalou os olhos, e do seu rosto sumiu o ar de deboche e prevaleceu o esgar de medo. Ele olhou pros lados, como se buscasse por auxílio, começou a suar e respondeu num misto de gemido e de choro: “Não fui eu não, minha sinhora, não fui eu não!” Ela então se voltou para a professora e perguntou: “O que significa isso?” Ao que dona Mariinha respondeu: “Olhe senhora dona supervisora, esse menino é muito danado, mas se há uma coisa que ele não faz é mentir. Se ele diz que não foi ele é porque não foi mesmo! Por isso eu ponho a minha Mão no fogo!”

2 comentários:

DEISI disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
DEISI disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKkk!!!! Eu fui uma Mariinhaaaaaaa!!!!

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